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Seminário em Seberi defende adoção da agroecologia: ‘Não temos ideia do que estamos comendo’

Encontro teve participação de representantes de 15 municípios da região. (Foto: Marcos Corbari)

Marcos Corbari
A tarefa não é simples, ainda mais por se tratar de uma das regiões onde mais se aplicam venenos e outros insumos químicos tóxicos na agricultura no mundo. Mas as vozes que se somam propondo uma nova postura e adotando a agroecologia como alternativa para a produção de alimentos saudáveis para todos – independente de classe social – puderam mais uma vez se notar reforçadas no norte/noroeste do RS na última sexta-feira (31).
Integrando a programação dos 60 anos do município de Seberi, a Cooperbio – cooperativa camponesa composta por agricultores e agricultoras da base do Movimento dos Pequenos Agricultores/MPA -, em parceria com o MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento ), promoveu o I Seminário Regional de Agricultura e Alimentação Orgânica. A atividade ainda esteve integrada às ações da 15ª edição da campanha nacional “Produto Orgânico – melhor para a vida”, realizada anualmente na última semana de maio e que trouxe em 2019 o tema “Qualidade e saúde: do plantio ao prato”.
Autoridades reconhecem a importância do tema
Contando com a participação de aproximadamente 60 pessoas, vindas de 15 municípios da região, bem como representantes de pelo menos quatro estados e dois países vizinhos recebeu também o reconhecimento institucional da prefeitura municipal de Seberi e da Assembléia Legislativa, respectivamente representados pelo prefeito Cleiton Bonadiman e pelo deputado estadual Edegar Pretto (PT).
Bonadiman reconheceu a importância de iniciativas como o seminário, bem como o trabalho desenvolvido pela Cooperbio e pelas famílias que integram o MPA, por assumir o protagonismo quanto ao tema da agricultura e alimentação saudável. “É sempre uma satisfação voltar aqui, ver como esse experimento dá frutos ao município e à região, saber que aqui temos pessoas que se preocupam com a alimentação saudável, que trabalham e se dedicam para provar para a comunidade que este é o melhor caminho”.
A estrutura do centro de formação da Cooperbio foi citada pelo prefeito, reconhecendo a importância dos experimentos ali viabilizados e das atividades de formação em agroecologia que atraem pessoas interessadas com o tema dos quatro cantos do estado, do País e até mesmo de países estrangeiros.
Pretto relembrou os desafios que já passaram pelo Parlamento gaúcho, demarcando que há entre os deputados alguns que empenham seu apoio à agricultura e alimentação saudável, mas que por outro lado seguem muito fortes os representantes dos setores que balizam suas atividades na agressão à natureza, na utilização indiscriminada dos venenos e no lucro acima de tudo e de todos. “Não é justo que, em nome do lucro e da ganância de alguns, todos nós e a natureza estejamos sujeitos aos efeitos arrasadores desses produtos e desse modo de produção que não respeita a vida”.
Entre as ações em destaque na Assembleia, o deputado relembra duas pautas de luta que precisam ser expostas à população e apoiadas desde cada localidade para que de fato sigam em frente: proibir o uso e venda do veneno 2,4-D e proibição da pulverização aérea no RS.
A agroecologia é uma alternativa viável e necessária
O primeiro painel do dia foi apresentado por Agda Ikuta, Engenheira Agrônoma da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural, que atuou na coordenação da equipe de elaboração do Plano Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica do RS – o primeiro do País. Ikuta apresentou dados dobre o tema, destacando o forte protagonismo da agricultura familiar e camponesa na produção de alimentos saudáveis, tanto para a própria subsistência e comercialização local, quanto para a garantia da soberania alimentar de modo que se alcance também as populações urbanas com alimentação acessível e de qualidade. “A necessidade de mudar esse sistema de produção convencional, que é o hegemônico hoje, precisa ser provocado, precisamos mostrar o que estamos fazendo”, explicou ao fim de sua fala, trazendo citações de personalidades que foram desde a agrônoma pioneira da agroecologia Ana Primavesi, até o Papa Francisco e sua encíclica Laudato Si’ “sobre os cuidados com a casa comum”.
Segundo painelista do evento, o Engenheiro Agrônomo César Alexandre Bourscheid, de Três Passos, dedicou-se a apresentar um olhar para os desafios que são enfrentados diariamente pelos adeptos da Agroecologia na região, espaço geográfico onde se acredita que sejam dispersos a maior quantidade de agrotóxicos por habitante no mundo. “Por que discutir agroecologia? Por que estamos aqui debatendo a agricultura e a alimentação orgânica? Porque nós chegamos a um limite trágico na questão do alimento. A verdade é que hoje nós não sabemos, não temos ideia nenhuma do que estamos comendo”, alertou logo no início da sua fala.
Além da questão dos venenos e da manipulação genética, Bourscheid chamou atenção para a falta de cuidados com o solo e com a água, a devastação do meio ambiente e o crescimento populacional. A opção pela monocultura, praticada pelo modelo hegemônico atual, onde não se faz nem rotação e muito menos diversificação de culturas também foi criticada pelo agrônomo, destacando que o modelo exige cada vez mais doses maiores de insumos químicos e venenos. “A agroecologia é a resposta, é a única saída para a manutenção da vida, para garantir a oferta de alimento saudável e consolidar a ideia de soberania alimentar”, alinhavou.

O desafio da soberania alimentar, da produção ao consumo
A pauta da produção de alimentos saudáveis deve ser prioritária, mas um ponto estratégico que deve manter nossa atenção sempre presente é a questão do acesso a esse alimento bom produzido principalmente pelos camponeses e camponesas no contexto da soberania alimentar -, comentou Débora Varoli, integrante da direção nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). “Nossa avaliação enquanto movimento é de que a indústria do alimento foi criando mecanismos para se blindar da mudança necessária para virar a pauta da soberania”, alertou a dirigente, citando mecanismos como a restrição de acesso dos camponeses ao mercado formal, dificuldade de acesso à terra e recursos naturais para produzir, dificuldade de acesso a crédito (recursos financeiros) que viabilizem o investimento e a melhoria das condições de trabalho e produtividade, bem como a deformação da memória alimentar que faz com que se substitua no imaginário coletivo a ideia de alimento pelos produtos processados.
Hoje o acesso ao alimento agroecológico produzido pelos camponeses por parte dos trabalhadores urbanos é o grande desafio para que de fato nos estruturemos para virada necessária à consolidação de um novo modelo de agricultura”, explicou Débora, relembrando que na atualidade o sistema é perverso, “viabilizando alimento orgânico para os ricos, alimentos transgênicos e contaminados por agrotóxicos para os pobres e a fome para os miseráveis”.
Fonte SUL 21
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