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Mortandade de abelhas já é generalizada no RS

Chocados, tristes, desanimados. É como dizem se sentir muitos apicultores do Rio Grande do Sul diante da “assustadora” mortandade de abelhas em suas colmeias – pelo menos 250 mil desapareceram no Estado em 2015. Todos os especialistas ouvidos não têm dúvidas em afirmar que a responsabilidade é dos agrotóxicos, usados descontroladamente nas lavouras, além do desmatamento que não para de aumentar.
“No Estado a morte de abelhas tornou-se generalizada, principalmente em áreas com uso intensivo de agrotóxicos”, afirma o coordenador da Câmara Setorial de Apicultura e Meliponicultura da Secretaria Estadual da Agricultura (Casam), Nadilson Ferreira. “O problema atinge maiores proporções nas regiões da Depressão Central, Missões, Alto Uruguai e parte da Campanha. Os agrotóxicos estão acelerando a perda de biodiversidade e contribuindo para o extermínio das populações de abelhas”, completa.
O fenômeno da mortandade tem um impacto muito grande no Estado, já que o Rio Grande do Sul é o maior produtor de mel do Brasil. São cerca de 30 mil apicultores, que produzem em torno de oito mil toneladas por ano (60% na primavera e 40% no outono). A metade é exportada, principalmente para a Europa, e a outra parte consumida no mercado interno. 
Um temor que ronda os apicultores que trabalham com exportação é que, a continuar assim, o mel gaúcho passe a sofrer restrições e a perder valor nos países compradores por causa da contaminação por esses venenos. “Com toda essa desgraça (das mortes por envenenamento) o mel gaúcho ainda é considerado orgânico”, ressalta Ferreira.
O período de maior colheita, a primavera, é justamente o de maior atividade agrícola no Estado e de maior extermínio destes insetos pelos venenos jogados nas plantações. Estima-se que as perdas decorrentes, tanto de colmeias como da produção de mel, andem em torno de 30% a 40%, quase a metade. Mas os apicultores que ouvimos apontam um prejuízo muito acima disso.

Morte anormal

Os produtores de mel, de forma geral, contam que as abelhas começaram a morrer de forma anormal, sem nenhuma doença ou desnutrição que justificasse, há cerca de três ou quatro anos. É o caso de Luiz Darci Demo Garlet, 60 anos, que entre dezembro e janeiro último perdeu nada menos que 600 das 1.200 colmeias que tinha em Cruz Alta, no Noroeste do Estado.
Desde 2013 ele já vinha tendo perdas por causa dos agrotóxicos, de 100 a 200 caixas, onde ficam as colmeias, por ano. Ele tem certeza que a causa, desta última vez, foi um veneno ainda mais forte que usaram para atacar o “tamanduá-da-soja”, um inseto que raspa o caule da planta. Outros venenos, como os da lagarta da soja, relata, não matam tanto, mas deixam as abelhas desorientadas, fracas, e acabam perecendo também.
Como boa parte dos apicultores, ele acomoda as colmeias em propriedades de outras pessoas mediante o pagamento de uma comissão. Por isso,  como ele não reclamam e não informam o ocorrido aos órgãos de fiscalização ambiental. “Não podemos reclamar, porque senão os donos das terras vão dizer ‘pega tuas caixas (de abelhas) e vai embora’. Não tem o que fazer, fazer o quê?”, indaga o apicultor. Ele calcula que vai demorar quase dois anos para recuperar o que perdeu, isso se a mortandade não continuar.
“Outra dificuldade é a falta de lugar para colocar as abelhas porque estão terminando com os matos e elas têm que ser colocadas na sombra, porque se as colmeias ficarem no sol morrem todas”, acrescenta. Garlet que normalmente tirava 30 toneladas de mel por safra, este ano colheu apenas 11 toneladas com a perda de tantas colmeias: “Meus dois funcionários ficaram até mais chocados que eu. Tinha um apiário com 25 colmeias novas, lindas, bonitas, morreram as 25. Isso entristece muito”, lamenta.

Abelhas mortas da espécie nativa Jataí | Foto: Fernando Dias

Nunca houve nada igual

O vice-presidente da Associação dos Apicultores da cidade, Walmor Kirchhof, 65 anos, confirma que a mortandade é generalizada, atingindo a todos os apicultores: “Nunca tinha acontecido nada igual como nesse ano, todo o pessoal da região perdeu uma barbaridade de abelhas”, relata.
Das suas 200 caixas sobreviveram apenas 40 colmeias. “Teve local que não sobrou nenhuma caixa”, completa. Até alguns anos atrás, perdia meia dúzia de caixas por ano.
Kirchhof garante que “doença não foi, as abelhas estavam fortes e estavam produzindo mel”. Mas, de repente, morreram todas e apodreceu tudo nas caixas. “Geralmente as traças comem a cera (quando as abelhas morrem por algum outro motivo), mas neste caso nem as traças apareceram, também morreram”, acrescentou.
Ele é aposentado, trabalha com isso há 35 anos e o mel é a maior parte da sua renda. “É um prejuízo enorme, a gente depende disso aí”. Como fornece para a merenda escolar, precisou comprar mel de outros fornecedores, de regiões distantes, para cumprir as encomendas.

Vontade de desistir

Distante dali, bem no interior de São Borja, junto ao rio Uruguai, na fronteira com a Argentina, Vilmar Soares, 78 anos, que tem na atividade um complemento para a aposentadoria, já pensou até em desistir da apicultura. “Tinha 223 caixas, sobraram 70”, relata. Dos 900 quilos que costumava colher das colmeias agora só colhe 200.
Ele conta que o extermínio começou por volta de 2014 e também está certo de que vem acontecendo por causa dos venenos das lavouras: “Já vi um enxame e no outro dia, depois que passaram veneno por perto, as abelhas estavam todas mortas. E a caixa fica imunizada, porque novos enxames na mesma caixa morrem também. Disseram que é um veneno que se um só inseto leva para a colmeia, contamina todas as outras”.
Assim como tantos outros, não procurou ajuda de ninguém, nenhum técnico, nenhuma autoridade, porque não sabe a quem procurar. Mas, principalmente, porque não quer “se incomodar” com os vizinhos agricultores, que estão utilizando os agrotóxicos: “A gente precisa dos vizinhos”, explica.
Soares diz que já se sentiu “desacorçoado”, um termo fronteiriço para desânimo, desalento. Pensou em desistir, mas vai continuar, por enquanto, tentando salvar o que restou da matança das suas abelhas pelos venenos das lavouras.
Da conversa com eles fica muito evidente que, além do negócio, cria-se uma relação de grande afeição por esses insetos, que Garlet conhece desde criança, quando ajudava o pai a produzir mel: “Na apicultura, se a pessoa não gosta das abelhas não funciona, a apicultura é uma profissão diferente, é algo da natureza, tem que gostar do bichinho”.
Por isso, se o prejuízo desses apicultores é enorme, o abalo emocional pela mortandade também: “É horrível!”, desabafa Kirchoff.

Situação extremamente grave

A situação é tão alarmante que foi criado um Grupo de Trabalho da Mortandade das Abelhas, em 2015, ligado à Câmara Setorial (Casam). Durante um ano, entre 2015 e 2016, o GT fez estudos, reuniões, e, mês passado, entregou suas conclusões ao secretário da Agricultura, Ernani Polo.
“É uma situação extremamente grave”, define Sanderlei Pereira, coordenador da Emater/Ascar em Candelária, que coordenou o GT. “Estimamos uma redução de 40% do volume de mel colhido nas últimas safras e uma diminuição de 40% das colmeias do RS”. O GT constatou que todo o Estado está sendo atingido pela mortandade, com maior intensidade nas regiões com maior produção de cultivos anuais, como soja, arroz e milho.
A apicultura gaúcha exercida basicamente por pequenos agricultores/apicultores. Isto é positivo, diz Sanderlei, porque distribui muito bem geograficamente as colmeias e seus benefícios, na melhoria da alimentação das famílias rurais, na comercialização do seu excedente, agregando renda, e também pela polinização das culturas na propriedade. “Por outro lado, isso dificulta o levantamento da morte das colmeias e da diminuição da colheita”.

Fipronil e Neonicotinoides

“A mortandade de abelhas ocorre também por fome, manejo errado de apiários, pólen tóxico (barbatimão), doenças e parasitas, causas essas conhecidas pelos apicultores, diferente da mortandade que vem ocorrendo nos últimos anos pela ação do Fipronil e algumas partículas dos neonicotinóides”, diz o relatório do GT.
O documento reforça como principal causa “O uso em larga escala no Brasil de agrotóxicos com efeitos nocivos às abelhas, em especial aqueles do grupo dos Neonicotinóides (Clotianidina, Imidacloprid, Tiametoxam) e Fipronil”.Esses, especificamente, são os que têm ação fulminante sobre as abelhas, salienta Sanderlei. Eles causam a morte das polinizadoras até mesmo quando são usados no tratamento das sementes porque são sistêmicos, ou seja, entram na seiva das plantas e contaminam o pólen e néctar de suas flores, que são visitadas pelas abelhas quando acontece a floração.
Também as caixas e caixilhos ficam com resíduo de agrotóxico, muitas vezes causando intoxicação crônica na nova colmeia que ali é alojada e acaba sucumbindo também – como relataram os apicultores que entrevistamos.

Padrão das mortes

O padrão do extermínio é sempre o mesmo. A morte repentina das abelhas, na sua totalidade ou em parte, com presença de abelhas mortas na caixa. Quando há presença de abelhas vivas ao redor, elas estão desorientadas e em pequeno número e há mel produzido nos favos.
Noutros casos, as colmeias vão perdendo população até ficarem sem abelhas no final do processo. Com a diminuição da população, acontece um estresse nas suas defesas que conduz a sucessivos ataques de varroase (um ácaro), bactérias e fungos, que causam a morte dos insetos restantes.
“Nenhuma espécie de abelha está livre da ação destes inseticidas. Sempre existiu morte de colmeias, por fome, mau manejo, mas com características próprias conhecidas pelos apicultores e técnicos, em média 10% ao ano, totalmente diferente do que vem ocorrendo, com mortalidade de até 80% das colmeias”, afirma Sanderlei.
O coordenador do GT salienta que não é a proximidade das lavouras que implica nas mortes e sim os produtos químicos usados nelas. A soja, por exemplo, “é benéfica para as abelhas, produz mel de excelente qualidade e a soja também se beneficia com as abelhas através da polinização, que amplia em média 10% a produtividade da lavoura”.
Na Europa, foi registrada perda de mais de um milhão de colmeias devido às mortes causadas pelos neonicotinóides. Quanto ao Fipronil, a Agência de Proteção do Meio Ambiente dos Estados Unidos classificou esse produto como de alto potencial cancerígeno (afeta principalmente a tireóide).
Comunitária FW.
Fonte: Sul21
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